O que nos torna quem somos? Nossas memórias? Nossa consciência? Nossa personalidade? SOMA – o jogo de suspense e exploração da Frictional Games, responsável pela clássica série Amnesia (PC) – leva o jogador a um mundo apocalítico e sombrio. Um mergulho profundo em busca desta resposta.
HISTÓRIA
SOMA começa no ano de 2015 e coloca o jogador na pele de Simon Jarret, um canadense que se envolveu em um acidente de carro que o deixou com um terrível dano cerebral.
Devido à extensão dos danos, Simon aceita fazer parte de um projeto experimental de sondagem cerebral que permite fazer um registro da atividade do cérebro para um melhor desenvolvimento de tratamentos. Durante a sondagem, Simon perde a consciência por alguns instantes e desperta em uma base submarina dilapidada no ano de 2104.

Resta ao personagem explorar a base de Pathos II, construída como o último refúgio da humanidade, descobrir o que aconteceu naquele lugar e, acima de tudo, determinar como ele foi parar lá. Tudo isto enquanto tenta se manter vivo diante de uma variedade de robôs assassinos.
É difícil falar sobre a história do jogo e ao mesmo tempo evitar spoilers. Mas vale ressaltar que a narrativa é uma das principais qualidades de SOMA e que o jogo aguça sua curiosidade desde o primeiro minuto. A trama é bem desenvolvida durante todo o título e a conclusão é daquelas que faz você ficar pensando por algum tempo depois dos créditos.
JOGABILIDADE
SOMA segue a linha de jogabilidade de Amnesia: The Dark Descent. Com visão em primeira pessoa e um ritmo de jogo lento e exploratório, praticamente desprovido de combates. O personagem não possui armas, golpes ou habilidades especiais e sua única opção contra os inimigos é não ser visto ou fugir deles.
Cada inimigo de SOMA reage ao jogador de forma diferente. Alguns identificam o personagem através de linha de visão ou pelo barulho. Um dos inimigos apenas caminha pelo ambiente, ferindo o jogador sempre que você olha diretamente para ele por muito tempo. O jogo não tem interface ou marcador de pontos de vida. Caso o jogador seja atingido por um oponente, ele desmaia por algum tempo e retorna ferido e tonto, precisando encontrar um terminal de cura para voltar ao estado saudável. Um segundo golpe enquanto está ferido mata o personagem, forçando um retorno ao último ponto de verificação.
Ainda assim, com um personagem tão frágil e inofensivo, SOMA não apresenta grande dificuldade, permitindo que o jogador preocupe-se mais em explorar e compreender a história. De modo geral, os encontros com inimigos são esporádicos e breves.

A exploração do jogo segue uma linha bastante intuitiva. O jogador manipula o mundo utilizando o botão R2 (no Playstation 4) para segurar um objeto e movendo o controle direito como se fosse sua própria mão, puxando para trás para abrir uma gaveta ou para o lado para empurrar uma porta. Enquanto segura um objeto, o direcional permite virá-lo em todas as direções, permitindo sua análise por todos os ângulos.
Infelizmente, a maioria dos itens e objetos encontrados são totalmente inúteis para o jogo. Por mais que SOMA permita que você interaja com cada frasco, gaveta ou objeto de decoração, em pouco tempo esta manipulação se torna cansativa e despropositada.
Os poucos objetos úteis do jogo são fotos, anotações e gravações que o jogador pode encontrar no cenário. Embora a história de SOMA esteja toda na narrativa e estes objetos não sejam necessários para se entender o cerne do enredo, eles acrescentam detalhes e curiosidades que tornam a história ainda mais interessante.
Com exceção de poucos itens que o jogador precisa pegar (e que normalmente são utilizados logo em seguida) para solucionar quebra-cabeças, SOMA não tem colecionáveis, inventário ou qualquer tipo de gerenciamento de equipamentos, oferecendo uma experiência bastante rasa em termos de jogabilidade.
GRÁFICOS
SOMA surpreende por conseguir criar um clima incrível, mas o faz com gráficos abaixo do esperado para a atual geração de consoles.
O jogo é escuro e tem uma paleta de cores bem limitada, o que contribui para o clima de suspense e tensão presentes no ambiente da base de Pathos II. O design do ambiente é muito bem feito, com um tipo de destruição que parece quase orgânica, como se algum tipo de criatura estivesse crescendo entranhada à estrutura da base.
Os inimigos tem uma aparência singular, como corpos alienígenas montados a partir de sucatas, uma mistura entre elementos biológicos e mecânicos.

Toda esta combinação faz com que o gráfico de SOMA tenha muita personalidade, mas também evidencia a falta de polimento neste quesito, com quantidade limitada de polígonos, elementos pouco detalhados e alguns bugs com a iluminação e a projeção de sombras.
Entretanto, o que mais chama a atenção no título são os problemas de desempenho. SOMA tem quedas na taxa de quadros e congelamentos inesperados para a qualidade gráfica que demonstra. Embora sejam ocasionais, as quedas são bruscas e podem irritar jogadores mais exigentes.
SOM
Enquanto o gráfico não impressiona, o som é a estrela de SOMA.
Praticamente sem trilha sonora, o título conta com o som para amplificar o clima de suspense e tensão na base de Pathos-II. Na maior parte do tempo, a sensação de solidão do jogo é sufocante, mas passos, rangidos, maquinário estalando e o ocasional som da água invadindo o ambiente lentamente mantêm o jogador sempre consciente de que ele não está sozinho naquele lugar.
Quando o jogador sai da base e precisa atravessar um trecho submerso, os sons são trocados por um silêncio abafado. Quando próximo de determinados elementos ou inimigos do jogo, o jogador começa a escutar um desagradável ruído branco e distorcido que o alerta do perigo. Se o clima de SOMA é extremamente tenso, o design de som do jogo é um dos grandes responsáveis.

A maior parte da história da base é contada através de áudios deixados pelos habitantes de Pathos-II. O trabalho de voz do jogo é bem feito e convincente, traduzindo muito bem os sentimentos e as relações entre os personagens e as situações nas quais eles se encontravam, sem depender do apoio de um vídeo para isto.
MERGULHANDO FUNDO
Embora tenha alguns desafios e quebra-cabeças a serem resolvidos, SOMA se aproxima mais de uma narrativa interativa do que um jogo propriamente dito. Para quem é fã do estilo e curte uma experiência imersiva, o título é um prato cheio. Mas para quem gosta de ter mais ação e desafio, SOMA pode acabar sendo uma experiência lenta e um pouco entendiante.
A beleza do título está na história que ele conta e nos assuntos que ele explora. SOMA é um daqueles jogos que apresentam os games como uma mídia única e exclusiva, pois traz uma narrativa que não funcionaria em um livro ou filme – com características únicas que só a interatividade dos jogos eletrônicos pode oferecer.
Mais que um jogo sobre o fim do mundo ou viagem no tempo, SOMA vem para discutir o que faz de nós aquilo que somos e a importância de nossas memórias e personalidade.
Este não é o tipo de título que irá aparecer nos grupos de discussão sobre games por causa de suas qualidade técnicas ou jogabilidade inovadora. Mas sim um daqueles que faz você ir para a cama pensando e remoendo.
Acima de tudo, SOMA mergulha fundo na sua mente.