Deus Ex: Mankind Divided é a sequência do jogo Deus Ex: Human Revolution lançado em 2011 para Playstation 3, Xbox 360 e PC. Muito bem sucedido, o título reúne elementos de tiro em primeira pessoa, furtividade e RPG em um cenário cyberpunk muito bem desenvolvido. Mas será que Mankind Divided consegue agradar como o seu antecessor?
A HUMANIDADE DIVIDIDA
Adam Jensen – um agente de segurança com o carisma de uma torradeira e a peculiaridade de repetir infinitamente que “não pediu por seus aprimoramentos” – está de volta, dois anos depois do incidente em Panchea que encerra o jogo anterior.
Se Human Revolution representava um momento áureo da humanidade, com a descoberta dos aprimoramentos cibernéticos que permitiam que pessoas voltassem a andar ou desenvolvessem capacidades sobre-humanas, Mankind Divided explora a decadência que se segue.
Com o “incidente aprimorado” de 2029, onde milhões de pessoas aprimoradas no mundo inteiro entraram em um frenesi atacando tudo que estivesse por perto – resultando em milhões de mortos – a humanidade começou a se questionar sobre o perigo representado pelas pessoas equipadas com melhorias cibernéticas. Em pouco tempo, muitas cidades começaram a viver uma espécie de ‘apartheid’ mecânico (um dos termos utilizados na publicidade do jogo e que virou polêmica), com as pessoas divididas em naturais e aprimorados, controladas por filas, apresentação de documentos, pontos de controle e outros métodos de segregação.
Com o fim das indústrias Sarif – uma das pioneiras dos aprimoramentos, Jensen passa a trabalhar em uma divisão antiterrorista da Interpol chamada Task Force 29. Após uma missão fracassada em Dubai, o agente se vê na cidade de Praga – uma das mais segregadas do mundo, em virtude da grande população de aprimorados – em meio a um grande plano misterioso envolvendo a Interpol, um grupo de hackers ativistas chamado de Coletivo Juggernaut, uma grande empresa de mídia, um grupo mafioso e até mesmo os Illuminatis.
Usando todos os seus recursos e alguns novos aprimoramentos, Adam precisa descobrir em quem pode confiar e travar uma luta contra uma conspiração que visa lucrar com a segregação da humanidade.
NA PELE CROMADA DE ADAM JENSEN
Deus Ex: Mankind Divided não é uma evolução – muito menos uma revolução – do seu antecessor, mas sim uma continuidade. Apesar das pequenas novidades, o jogo se comporta exatamente como o título anterior. Com foco na visão de primeira pessoa, o título prioriza a furtividade – incluindo um novo esquema de controle – e as ações para se esgueirar, buscar cobertura (fazendo com a imagem passe à terceira pessoa, facilitando o controle dos arredores) ou atacar inimigos desavisados funcionam com perfeição.
Entretanto, as deficiências começam a surgir quando o chumbo começa a voar e Deus Ex mostra as suas fraquezas quando é exigido como um jogo de tiro. Embora os desenvolvedores insistam em dizer que Deus Ex pode ser jogado em qualquer estilo – furtividade ou combate franco – o jogo não responde à altura. Além das decisões conceituais – como a facilidade com a qual Jensen pode ser morto quando cercado por muitos inimigos armados – os controles não respondem com a precisão e fluidez esperados em um FPS e a sensação de controlar o personagem remete mais a dirigir um tanque de guerra do que guiar um agente de campo treinado.

Outro problema sério de Deus-Ex – que permanece nesta sequência – é a ação de deslocar e ocultar os corpos de seus inimigos. O jogo combina o movimento de arrastar com o sistema de ragdoll (que usa a física para controlar o corpo do oponente), fazendo do processo algo lento, imprevisível e muitas vezes irritante.
No que se refere à exploração, o jogo entrega muito bem e sabe recompensar o jogador que prefere investigar cada cantinho do cenário, distribuindo pontos de experiência (que permitem desbloquear e melhorar os aprimoramentos) por acessar novos locais no cenário, invadir computadores ou destravar portas. Além das recompensas mecânicas, Deus Ex ainda apresenta pequenas e discretas histórias em seu universo – um e-mail, um livro ou detalhes em um quarto ajudam a narrar pequenos eventos com personagens desconhecidos, como o ex-funcionário do banco que quer se vingar dos seus chefes, a mulher que se esconde com o filho em Praga, fugindo do marido violento, ou a vida amorosa do chefe da divisão antiterrorismo da Interpol.
Quanto aos aprimoramentos, os jogadores de Human Revolution se sentirão em casa e todas as antigas opções estão neste novo jogo – pulmões imunes a gases, olhos que enxergam através das paredes ou braços superfortes que permitem carregar objetos pesados ou destruir obstáculos. As novidades estão em aprimoramentos voltados para o combate, letal ou não, como tasers teleguiados que atingem até quatro inimigos ao mesmo tempo, lâminas explosivas ou uma impressionante couraça que deixa o personagem invencível por alguns instantes.
O sistema de inventário do jogo não trás praticamente nenhuma novidade, com os itens ocupando espaços de acordo com seu tamanho e peso e fazendo com que o jogador precise gerenciar quais equipamentos levará consigo em cada missão. Armas podem ser personalizadas com miras laser ou silenciadores, além de serem melhoradas com peças encontradas no cenário (que também são utilizadas para construir pequenos equipamentos ou munições). O único elemento novo está no ajuste rápido da arma, acionado ao manter pressionado o botão Quadrado (no Playstation 4), que permite remover o silenciador ou trocar o tipo de munição rapidamente.
Outro elemento que sofreu pouca inovação é o hacking, que permite ao jogador destravar computadores, acessar sistemas de segurança ou abrir portas. O sistema ainda consiste em acessar nós em um mapa digital, com um percentual de chance de ser descoberto a cada avanço que depende do seu nível de habilidade e a dificuldade do sistema. As novidades estão em alguns sistemas nos quais você não consegue ver todos os nós, precisando avançar aos poucos para ir revelando o mapa, e barreiras ocultas que disparam alarmas e atrasam a ação. Embora não traga muitos elementos novos, o sistema continua sendo uma das melhores mecânicas de hacking já exploradas em jogos deste tipo, mesclando o desenvolvimento e planejamento paciente com a ação frenética e ágil sempre que a segurança detecta a invasão e começa a rastreá-la.

A principal novidade de Mankind Divided está em corrigir um dos problemas mais criticados do seu antecessor – os combates com os chefes. Por mais que fosse um jogo focado na furtividade e interação, o Human Revolution caia em um inevitável jogo de tiro tradicional sempre que se tratava de um chefão – um problema quando seu personagem estava equipado e personalizado com foco em não ser visto pelos inimigos, ao invés de armado e armadurado até os dentes. No novo Deus Ex, todos os inimigos podem ser vencidos por métodos alternativos – seja furtividade, combate ou lábia – permitindo até mesmo que o jogador finalize a campanha sem dar um único tiro ou matar um inimigo, uma fuga do tradicional e um avanço para os jogos de furtividade.
SOM E IMAGEM
Antes de qualquer outra coisa, esqueça o preto e dourado de Deus Ex: Human Revolution – o momento de ouro da humanidade passou e só resta a decadência da segregação. Mankind Divided troca a paleta de cores do jogo por uma mais sóbria e menos futurista – ainda com elementos de neon, luzes e telões, mas contrastado com texturas desgastadas, pobreza e ferrugem.
O jogo traz pouca variedade de cenários. Praga – o ambiente principal do jogo – é uma cidade tradicional, que buscava um grande avanço através da mão de obra aprimorada na construção civil. Assim, o cenário do jogo mescla prédios tradicionais e ruas de calçamento, com telões e monumentos à modernidade. A maior parte da campanha se passa neste local, alternando apenas entre dia, noite e momentos de chuva.
O cenário mais impressionante do jogo é a cidade Golem, onde o jogador passa pouco tempo. Uma gigantesca favela para onde os aprimorados são deportados, com casas feitas de contêineres empilhados uns sobre os outros e lixo espalhado por toda parte – um gigantesco contraste com os cenários mais limpos e estéreis do jogo.

Graficamente, Deus Ex: Mankind Divided não impressiona, mas também não faz feio. Os cenários são detalhados e complexos, mas tudo tem uma aparência muito limpa e artificial. O que surpreende negativamente são os pequenos engasgos e quedas de taxa de quadros que o jogo sofre, inesperados quando consideramos o nível gráfico do cenário. Entretanto, a maior deficiência está nos personagens. Embora bem modelados, todos parecem muito rígidos e com problemas sérios de expressão. Isto não é um problema para o protagonista, sempre frio e fazendo pinta de durão, mas vários outros personagens têm dificuldades em transmitir qualquer tipo de sentimento real.
Esta deficiência fica ainda mais clara quando levamos em consideração o áudio do jogo. Com uma dublagem competente, a distância entre o sentimento transmitido pela voz e pela expressão do personagem fica ainda mais perceptível e incômoda.
A trilha sonora do jogo marca presença em poucos momentos e nunca consegue ser protagonista. Os efeitos de áudio transmitem bem a emoção dos combates e momentos de ação, mas peca nos momentos de calmaria, parecendo faltar efeitos ambientais que dessem vida ao universo de Deus Ex.
PLAYGROUND CIBERNÉTICO
O ponto mais forte de Deus Ex: Mankind Divided está no level design, desde o cenário central de Praga, até cada um dos mapas independentes de cada missão.
A região de Praga acessível ao jogador tem tamanho limitado, longe da amplitude oferecida por jogos de mundo aberto. Entretanto, a cidade ganha em personalidade e familiaridade. Cada casa, apartamento ou rua tem sua história e em pouco tempo de jogo é possível esquecer totalmente o mapa e se guiar pelas vielas como faria um morador.
Com seus dramas pessoais e personagens interessantes, Praga guarda ao jogador diversas mini narrativas em forma de mensagens ou detalhes de cenário. Diversas missões secundárias se apresentam ao jogador durante os deslocamentos pela cidade, indo de simples tarefas de busca, até invasões e investigações de assassinatos em série. Com enredos muito bem trabalhados, as missões secundárias ampliam o tempo de jogo e enriquecem o universo de Deus Ex.
As missões principais, por sua vez, se passam em mapas independentes. Uma base inimiga, um hotel em Londres ou a cidade aprimorada de Golem – todos são impecáveis no level design. Ignorando totalmente a linearidade, cada missão oferece uma ampla gama de possibilidades de invasão ou exploração, dependendo das habilidades disponíveis para o jogador. Uma mesma sala pode ter sua porta hackeada ou aberta com uma senha encontrada em um computador, acessada através dos dutos de ventilação ou ainda por um buraco feito na parede com braços cibernéticos. Certos caminhos favorecem o combate franco, enquanto outros permitem que Jensen se esgueire entre os inimigos como um fantasma. Cada jogador poderá encontrar seu próprio caminho entre as múltiplas possibilidades de cada cenário.

Os diferentes rumos não cabem apenas aos aprimoramentos instalados no personagem, mas também na atenção do jogador ao cenário. Um duto de ventilação pode estar escondido por trás de uma caixa e os pilares do cenário podem ocultar uma passarela que dá acesso à próxima sala passando por cima dos inimigos. Ocasionalmente, estes rumos alternativos podem levar até mesmo a informações ocultas e novos desdobramentos na missão e na história do jogo. Um prato cheio para quem quiser jogar a campanha mais de uma vez.
PRETO, BRANCO E TONS DE CINZA
Assim como muitos RPGs da atualidade, Deus Ex exige decisões do jogador e o recompensa com o impacto delas no universo do jogo. Estas decisões raramente são dividas entre ser bonzinho ou malvado, focando em dilemas mais complexos e aprofundados – como derrubar um esquema de tráfico de pessoas e colocar a vida de um inocente em risco, ou salvá-lo e deixar livre o líder de um grupo criminoso.
As consequências destas decisões não afetam profundamente o universo de Deus Ex, mas causam pequenas ondulações na vida de determinados personagens ou no final da campanha. Embora algumas decisões alterem a conclusão da história de Mankind Divided, a vasta maioria se torna uma nota de rodapé no final da narrativa – um meio termo satisfatório que recompensa ou pune o jogador por suas escolhas.
NEM O COMEÇO, NEM O FIM
A maior falha de Deus Ex: Mankind Divided está no corte feito por sua narrativa. Diferente da profundidade épica de Human Revolution, a sequência parece apenas um ponto de ligação entre o título anterior e um próximo, ainda não revelado.
O jogo apresenta ao jogador um mundo de conspirações e traições, com diversas facções, personagens e entidades secretas disputando poder. Todavia, cabe ao jogador lidar apenas com o resultado de um plano truculento e brutal, quase infantil, de consequências óbvias e imediatas.
Ao finalizar a campanha, resta ao jogador apenas lidar com uma centena de pontas inconclusivas, ficando impossível disfarçar a insatisfação e a sensação de que a experiência ficou incompleta.
BRECHA NO SISTEMA
Para quem quiser mais Deus Ex, o jogo conta ainda com um modo de jogo adicional chamado Breach – que remete às antigas VR Missions da série Metal Gear Solid. Em Breach, o jogador entra na pele de um hacker tentando invadir o bem protegido sistema do Banco Palisade em busca de informações valiosas.
A ação se passa em um ambiente totalmente estilizado, com inimigos triangulares e paredes de neon – mas que se comporta exatamente igual ao jogo principal. Cada missão oferece ao jogador um mapa onde ele deve atingir determinados pontos para roubar informações, até que o alarme seja disparado e ele precise fugir rapidamente pelo mesmo local por onde entrou.

Dependendo da quantidade de informações roubadas e do quão bem o jogador executou a missão (tempo, furtividade, dano e etc), ele é recompensado com pontos que podem ser convertidos em aprimoramentos para futuras missões. Um sistema de pontuação e classificação permite que os jogadores comparem seu desempenho com amigos e desconhecidos através da rede PSN e Xbox Live.
Embora seja simples em conteúdo e execução, Breach oferece aos jogadores um pouco mais de ação furtiva, aumentando o fator replay do título e permitindo um pouco de competição com os amigos.
INCONCLUSÃO
A Square Enix e a Eidon Montreal investiram na segurança em Deus Ex: Mankind Divided e entregaram um jogo que renova ou evolui muito pouco sobre seu predecessor. Para quem gosta da franquia, o título oferece um pouco mais de conteúdo em um universo tão caprichoso e certamente agradará aos fãs. Mas se você jogou Human Revolution e não se agradou, recomendo que fique longe da sequência, pois ela traz os mesmos erros e acertos.
Embora apresente um cenário crível e fortemente relacionado com as consequências do jogo anterior, o enredo inconclusivo de Mankind Divided faz com que o jogo soe como uma ligação para um futuro ainda não revelado pela desenvolvedora.
Para aqueles que esperaram cinco anos por uma sequência, Deus Ex: Mankind Divided funciona como um aperitivo – mas carece da substância necessária para um prato principal.
Pros:
- Level design impecável, possibilita diversos estilos de jogos;
- O estilo gráfico representa bem a mudança no clima do universo do jogo;
- Histórias paralelas enriquecem o universo do jogo;
- Missões secundárias divertidas e interessantes;
- Permite fechar o jogo sem matar um único inimigo;
- Modo de jogo Breach permite ampliar o tempo de jogo.
Contras:
- Quedas inexplicáveis na taxa de quadros;
- Pouca evolução em relação ao seu predecessor;
- Personagens inexpressivos;
- Enredo inconclusivo e incompleto.