Você está escondido na vegetação alta, sobre uma pequena colina, observando atentamente a movimentação dos Galhadores, agrupados próximos ao lago. Eles estão absorvendo nutrientes e convertendo-os em energia estocada nos recipientes em suas costas. São criaturas medrosas, que fogem diante do perigo, mas você precisa do maior número possível para reabastecer seu estoque de cabos, cacos de metal e – com sorte – um coração mecânico para negociar com aquele vendedor de Meridiana em troca do arco de caça que você viu na loja.
Movendo-se silenciosamente pelo local, você elimina os vigias – guardiões do bando – com flechas precisas e golpes furtivos. O bando percebe que há algo errado, mas ainda ignora sua presença enquanto você prepara algumas armadilhas de corda e explosivas para o caso dos Galhadores correrem nesta direção. Uma das criaturas passa próximo à vegetação lentamente e você aproveita a oportunidade para um ataque, liquidando-a em um único golpe, mas enquanto coleta os recursos da máquina caída, uma sombra pousa em suas costas. Você se vira lentamente e se deparada com um Dente-Serrado e seu descuido lhe coloca cara a cara com a enorme, ágil e poderosa pantera mecânica que pode lhe derrubar com poucos golpes. Você não é mais o caçador, é a caça.
Assim é Horizon: Zero Dawn, o primeiro jogo de mundo aberto da Guerrilla Games, empresa conhecida pela série Killzone e por explorar ao máximo os recursos dos consoles em que trabalha.
Embora tenha emplacado como a melhor estreia de uma nova franquia no Playstation 4, Horizon não é um jogo extremamente original. Bebendo na fonte de outros títulos como Far Cry, Skyrim, The Witcher 3 e até mesmo Uncharted, o mérito da Guerrilla está em reconhecer os pontos fracos de cada um destes jogos e reunir suas qualidades em um único pacote.
Não é difícil imaginar a equipe responsável pelo jogo sentada em torno de uma mesa discutindo as críticas feitas e cada uma de suas inspirações. O jogador se concentra demais no minimapa? Resolvemos isto. Gerenciar uma quantidade enorme de comidas e bebidas para cura é entediante? Solucionamos isto também. Rastrear pistas deixa o jogo lento? Adivinha?
Aloy e o Futuro da Humanidade
A aventura de Horizon acontece em uma espécie de pós-pós-apocalipse. A humanidade começa a ressurgir na Terra, após algum evento ter dizimado toda a sociedade como conhecemos e deixado apenas ruínas para trás. A humanidade divide-se em tribos – cada uma com suas próprias características – na luta pela sobrevivência, cada uma delas com suas próprias tradições, ritos e características.
O mundo poderia parecer com um simples regresso aos estágios iniciais de nossa civilização, se não fossem algumas diferenças cruciais. Em meio a pequenos animais como javalis e esquilos, uma fauna de criaturas mecânicas povoa a natureza – algumas delas selvagens e solitárias, outras vivendo em bandos. Destas máquinas vem parte dos recursos utilizados pela sociedade humana, como combustível para fogo ou cabos e placas de metal utilizadas no vestuário.
Outro fator importante são as ruínas da antiga civilização. Bases e estruturas de metal, tecnologias esquecidas e conhecimentos secretos deixados por uma humanidade que povoou esta região há centenas de anos e que desapareceu em algum momento. Uma grande catástrofe? Um cataclisma natural? Tecnologia e religião se fundem neste cenário, onde as tribos interpretam os sinais dos antigos como mensagens divinas ou até mesmo elementos malditos ou profanos.
Aloy – a protagonista de Horizon – nasceu entre os Nora, uma tribo matriarcal regida pela crença de que a tecnologia dos antigos é maldita e a deusa chamada de Grande Mãe protege seus fiéis. Porém, devido a mistérios que envolvem o seu nascimento, Aloy foi exilada da tribo ainda bebê, vivendo como uma pária, excluída, e podendo manter contato apenas com seu criador, Rost (também exilado).
Horizon narra a história desta guerreira – moldada pelos perigos, ódio e solidão em uma mulher forte e autossuficiente – em busca do seu passado e propósito no mundo. Esta missão a levará além das Terras Sagradas dos Nora, passando por outras tribos, conhecendo personalidades incríveis, enfrentando enormes perigos e explorando a história dos antigos.
Explorando o Mundo e Enfrentando Máquinas
A jogabilidade de Horizon concentra-se em dois pilares: exploração do mundo e combate – sendo bem sucedida em ambos.
Aloy move-se livremente pelo mundo, com agilidade e controles responsivos. Seu movimento, pulos, escaladas e escorregões lembram muito mais Uncharted do que a dureza de The Witcher 3 ou Skyrim. Embora faça uso de clichês do gênero, como as torres que permitem revelar pontos de interesse no mapa, o título tem suas características próprias. Usando a lógica “se você enxerga, você pode ir até lá”, Horizon dispensa o minimapa e usa marcadores para permitir que o jogador se concentre no cenário do jogo e a movimentação responsiva faz com que nunca seja um esforço se deslocar até o local desejado.
A exploração do mundo é ampliada pelo uso do Foco, um aparelho tecnológico antigo que a protagonista possui. O Foco é similar ao modo Detetive de Batman: Arkhan Knight ou à visão de bruxo de The Witcher 3, destacando elementos no ambiente, evidenciando pistas, rastros ou documentos que revelam detalhes sobre o mundo pré-cataclisma. Embora a personagem mova-se lentamente utilizando o Foco, o jogo permite marcar o rastro ou pista, de modo que ele continue visível com o recurso desativa e a personagem se deslocando normalmente – uma ótima adição que evita que o jogador precise ficar com o Foco ativo constantemente.
Outro elemento inovador do jogo é a Bolsa de Medicamento. Em vez de exigir o microgerenciamento de uma gama de alimentos e bebidas curativas, Horizon converte todas as frutas e ervas de cura em uma barra especial sob o marcador de vida da personagem. Basta um toque no direcional para utilizar estes recursos e restaurar sua vitalidade, mesmo em meio à ação frenética do combate.
O combate é um dos pontos altos do jogo, pois não há interrupção ou modificação nos controles de Aloy, fazendo com que explorar o mundo e enfrentar inimigos seja uma experiência coesa. O enfrentamento em Horizon divide-se geralmente em dois momentos, o primeiro envolvendo furtividade e preparação e o segundo, luta direta contra seus oponentes – mas da forma como foram idealizados, eles parecem partes de um único todo.
Horizon utiliza elementos de furtividade na preparação para o combate, entretanto não foca demais neste quesito e não tenta ser extremamente punitivo. O jogador não precisa explorar o mundo lentamente em constante modo furtivo, podendo correr e pular e com liberdade para se esconder apenas próximo aos seus inimigos – para eliminar silenciosamente as criaturas mais fracas e preparar armadilhas pelo terreno.
A lança de Aloy permite ainda que ela controle as máquinas e este é um dos elementos fundamentais do jogo. Ao descobrir esta habilidade, a personagem poderá manipular apenas as menores e mais simples criaturas, porém a exploração do mundo permite aprimorar o dispositivo de modo a controlar até mesmo o maior e mais perigoso dos inimigos mecânicos. As criaturas reagem de forma diferente à manipulação – embora a maioria ajude Aloy no combate, algumas também servirão de montaria ou revelarão áreas do mapa.
Mas a furtividade não é suficiente e muitas vezes o jogo evoluirá para o combate aberto. A partir deste momento, o jogo concentra-se em disparos com armas muito mais do que em golpes corpo-a-corpo. Horizon não é um jogo sobre disparar continuamente nos oponentes, mas sim sobre encontrar pontos fracos e dar tiros precisos e utilizar as armas corretas – isto porque a diferença no dano causado entre atingir uma máquina em pontos fracos pode ser até dez vezes maior que o de tiros a esmo. Para ajudar o jogador, Horizon conta com diversos recursos que desaceleram a ação e permitem mirar com mais facilidade, como a Concentração, que desacelera o tempo por um curto período.
A personagem ainda conta com armas especiais, como a Armadilheira, que produz uma linha no chão que dispara uma armadilha ao ser atravessada ou o Lança-Cordas, que permite prender o oponente ao chão, limitando sua movimentação. Dentre as armas mais comuns, Aloy conta com diversos tipos de arcos, estilingues e disparadores com vários tipos de munição: flechas elementais, munição explosiva e outras variações tornam o repertório de destruição bem versátil.
Esta combinação de fatores faz com que o combate contra os robôs seja sempre dinâmico, divertido e agradável.
Horizon perde um pouco do brilho – por outro lado – quando seus inimigos são outros humanos, como nos acampamentos de bandidos que a personagem deve invadir. A inteligência artificial dos oponentes é previsível e limitada, fazendo com que seja muito fácil invadir o local sem ser visto, mesmo sendo descuidado. Caso a situação evolua para luta aberta, os inimigos ainda assim não representam muita dificuldade, sendo muito fácil eliminá-los com o uso das habilidades da Aloy. Felizmente, o combate com humanos representa uma fatia menor do jogo.
Contando Histórias
A cativante história de Horizon é contada através de missões principais, secundárias e documentos espalhados pelo mundo (tanto na superfície, quanto nas ruínas tecnológicas deixadas pelos antigos). A narrativa explora muita bem a sensação de descoberta no mundo, colocando o jogador firmemente no papel de Aloy e transmitindo com precisão a noção de alguém que começa a descobrir um mundo muito maior que seus próprios horizontes.
Enquanto as missões primárias do jogo levarão Aloy pela busca por seu passado, as missões secundárias de Horizon apelam à simplicidade, limitando-se a tarefas curtas de busca ou enfrentamento, raramente impressionando por sua originalidade ou alguma reviravolta.
Um dos lados negativos do jogo está em seu sistema de recompensas. Raramente uma missão ou tarefa lhe dará mais que experiência e dinheiro, mesmo tratando-se de tarefas longas como coletar colecionáveis pelo mundo. Praticamente todos os equipamentos do jogo podem ser adquiridos com os vendedores, e as tarefas envolvendo colecionáveis ou missões especiais (com exceção única da missão em torno da armadura especial e as tarefas de caça) geralmente rendem itens totalmente descartáveis.
RPG e Evoluindo sua Personagem
Vamos começar tirando algo do caminho: Horizon: Zero Dawn não é um RPG de ação, mas sim um jogo de ação de mundo aberto com elementos sutis de RPG. Sabendo disto, é mais fácil de entender algumas questões.
Não encare este título na esperança de criar sua própria personagem, personalizar habilidades de forma totalmente diferente dos outros jogadores ou lidar com atributos ou microgerenciamento de inventário. A Aloy é uma personagem fechada e definida e muito provavelmente você terminará o jogo com a mesma personagem que todos os seus amigos.
O jogo possui uma árvore de habilidades que podem ser compradas com pontos adquiridos ao passar de nível, os espaços de inventário podem ser aprimorados com recursos de caça e armas e armaduras mais poderosas podem ser adquiridas com os vendedores nas cidades e vilas. Entretanto, a pouca variedade e a forma como o jogo é pensado fará com que praticamente todos os jogadores terminem o título com todas as habilidades, e as mesmas armas e armaduras mais poderosas – tornando os atributos dos itens muito menos relevantes do que seriam em um RPG típico como Skyrim ou The Witcher 3.
As armas e armaduras contam ainda com um sistema de aprimoramento, com itens que permitem melhorar atributos, como aumentar o dano elétrico ou resistência a fogo. Mas como estes itens são especializados, as escolhas de aprimoramentos geralmente focarão em melhorar as características presentes, em vez de realmente personalizá-las de outro modo. No fim, Horizon é um jogo sobre ter todas as armas e equipamentos disponíveis e utilizá-los conforme a necessidade, em ver de se apegar a uma arma específica e utilizá-la constantemente.
O ponto positivo em todo o sistema de evolução de Horizon está no fato de que ele exige que o jogador lide com um dos elementos primordiais daquele universo: caçar. Evoluir seu inventário exige a caça de animais comuns, como javalis, peixes e aves, enquanto a aquisição de armas e armaduras – trocadas por cacos (dinheiro) e peças de robôs – fará com que o jogador saia pelo mundo em busca de criaturas mecânicas específicas.
As Paisagens e os Sons da Terra
A Guerrilla Games é uma daquelas empresas que fez fama extraindo o máximo dos consoles, como fez com a série Killzone. Horizon: Zero Dawn não é diferente e o jogo é um primor técnico inegável. Suas paisagens são incríveis e detalhadas, indo desde montanhas geladas e florestas fechadas até desertos e ruínas da antiga civilização, tudo repleto de efeitos como o brilho do sol, sombras precisas e o ciclo de dia e noite – um prato cheio para o Modo de Fotografia do jogo. A distância de renderização do jogo permite que, ao escalar uma montanha, o jogador possa vislumbrar a vida acontecendo ao longe, totalmente indiferente à sua presença.
Tudo isto rodando incrivelmente bem no Playstation 4, cravando os pretendidos 30 fps durante toda a experiência, sem quedas. Para usuários do Playstation 4 Pro, Horizon pode ser jogado em uma TV 4K utilizando o sistema de checkerboard (renderizando pixels pares e ímpares em duas imagens QHD, separamente) ou com subsampling em uma TV Full HD, produzindo uma imagem mais nítida e com menos serrilhado, também sem problemas com a taxa de quadros.
Quando se trata dos personagens, o título cai nos mesmos méritos e deficiências de outros similares. É possível determinar a importância de um determinado personagem pela qualidade e detalhamento da sua modelagem – indo dos protagonistas, incrivelmente bem definidos e convincentes, até alguns coadjuvantes com barbas que parecem postiças ou olhos e expressões mecânicas e estranhas.
Embora tenha sons que ajudem na imersão do jogo, transmitindo a sensação de solidão no deserto ou em uma floresta, a trilha sonora de Horizon é distante e pouco memorável. Ela complementa bem o jogo mas não será algo pelo qual o título será lembrado.
O trabalho de atuação de voz do jogo é convincente, mas segue o ritmo da modelagem dos personagens, variando de acordo com a importância do mesmo. A localização para português está ótima, ficando quase parelha com a versão original, contando apenas com alguns poucos erros de tradução e concordância (geralmente causados pela falta de contexto com a qual os tradutores precisam trabalhar) ou entonação de voz.
Feminismo e Tolerância
Nenhum destes dois temas fica óbvio ou escancarado em Horizon: New Dawn, porém eles estão tão presentes nas entrelinhas do jogo que é impossível não imaginar que sua sutil presença seja intencional por parte da Guerrilla.
A começar pela protagonista Aloy, que nunca é apresentada como um possível futuro símbolo sexual dos games. Suas vestimentas são discretas, funcionais e cobrem boa parte do seu corpo. Nada de maquiagem ou salto alto, coisas que não fariam sentido na ambientação. Acima de tudo, o jogo em nenhum momento explora visualmente a personagem com buttshots (aquelas cenas com foco na bunda da personagem) ou cenas de apelo sensual ou sexual.
Mas, acima de tudo, Horizon fala sobre tolerância. Aloy é uma pária, uma exilada dentro do seu próprio povo, e explora um mundo dividido em tribos que ainda não aceitam bem os estranhos. Ser tolerante ao diferente, abrir portas, ampliar conexões – estes são assuntos constantes na política entre povos no universo do jogo e contante em várias missões. Recém-assolado por um tirano, o mundo de Horizon busca reencontrar seu centro, em meio a tramas de retaliação, vingança e famílias separadas.
Para enfatizar este ponto, o título conta ainda com a maior variedade de biotipos e etnias que eu já presenciei nos games. Orientais, árabes, afrodescendentes ou europeus, homens ou mulheres, é ampla a gama de personagens que você encontra no jogo, cumprindo todo o tipo de função. O mais incrível que isto não foi apenas uma decisão de design da desenvolvedora, mas algo que está atrelado a história daquele universo.
Caso você tenha alguma sensibilidade com estes assuntos, não se preocupe, Horizon: Zero Dawn ainda é um jogo para você e em nenhum momento ele esfregará estes temas na sua cara. Com exceção de uma ou outra frase dos personagens ou um documento perdido no jogo, estes temas estão colocados nas entrelinhas, de forma sutis, presentes nas escolhas de design do jogo (muitas vezes em coisas que, na verdade, não estão presentes). Mas para quem quiser preencher as lacunas, tudo isto está lá.
Um Jogo para Marcar a Geração
Horizon: Zero Dawn chega com potencial para deixar sua marca nesta geração e iniciar uma incrível franquia. Gráficos incríveis, jogabilidade primorosa e uma história cativante prendem o jogador do início ao fim. Com cerca de 20 a 60 horas de jogo (para quem quiser adquirir o troféu de Platina, que não é muito exigente), o título se despede e deixa um gosto de quero mais antes mesmo que começar a cansar.
A Guerrilla Games não esconde sua inspiração em jogos como Far Cry, The Witcher, Skyrim e outros títulos de mundo aberto, mas escolheu muito bem quais elementos aproveitar e quais deveriam ser melhorados, criando um conjunto maior que a soma de suas partes e fazendo de Horizon um jogo imperdível para todos os proprietários de um Playstation 4.
Pros
- Gráficos e desempenho incríveis
- História cativante e atraente
- Ótima jogabilidade
Contras
- Missões paralelas sem muita inspiração
- Sistema de recompensas decepcionante
- AI abaixo da média nos inimigos humanos
Excelente.
Horizon: Zero Dawn chega com potencial para deixar sua marca nesta geração e iniciar uma incrível franquia. Gráficos incríveis, jogabilidade primorosa e uma história cativante prendem o jogador do início ao fim. Com cerca de 20 a 60 horas de jogo (para quem quiser adquirir o troféu de Platina, que não é muito exigente), o título se despede e deixa um gosto de quero mais antes mesmo que começar a cansar.
Designer por profissão e gamer de coração, Raphael é apaixonado por jogos que sejam imersivos e permitam que ele se esgueire por trás de seus inimigos, eliminando-os de forma silenciosa e impiedosa.