Fundado em 2009, o estúdio de animação Ember Lab chamou a atenção no mundo dos games com o curta Terrible Fate, inspirado no jogo Zelda: Majora’s Mask. Mas foi apenas recentemente que a empresa entrou com os dois pés neste universo com o anúncio do seu primeiro jogo, Kena: Bridge of Spirits, descrito como uma aventura narrativa em um mundo rico e charmoso, repleto de exploração e combate rápido. Mas o que esperar do primeiro jogo de uma empresa que, até então, focava seus esforços em animações para publicidade e curtas-metragens?
Kena é uma guia espiritual, responsável por ajudar espíritos perdidos a fazerem a jornada para “o outro lado”. Em sua jornada até a Montanha Sagrada, a jovem encontra Beni & Saiya, duas crianças que conhecem a região e prometem levá-la ao seu destino se ela ajudá-los a encontrar seu irmão Taro, que sumira na floresta há algum tempo.
Sob a companhia de Beni, Saiya e os Roth – pequenas e fofíssimas criaturas da floresta – Kena logo descobrirá que sua aventura irá muito além da busca por Taro, envolvendo até mesmo o misterioso destino da vila aos pés da Montanha Sagrada.
Uma Jornada ao Passado
É impossível jogar Kena: Bridge of Spirits e não lembrar dos clássicos jogos de aventura e exploração de algumas décadas atrás – como Zelda: Ocarina of Time – pois o jogo não esconde suas inspirações.
Na pele da protagonista o jogador precisará explorar diversas áreas da região aos pés da Montanha Sagrada, coletando Roths (que ampliam a gama de habilidades da personagem), adquirindo novos poderes, resolvendo quebra-cabeças simples e combatendo diversos inimigos enquanto tenta desvendar o que aconteceu na vila, que serve como base central para a personagem, circundada pelas áreas a serem exploradas.
Entretanto, o estúdio Ember Lab entrega uma experiência clássica sem fazer com que a nostalgia seja a sua mola propulsora. Diferente de outros jogos que se inspiram em títulos do passado, Kena busca uma personalidade própria e foge das referências diretas. Não espere encontrar masmorras inspiradas nos elementos como fogo ou gelo, chaves ou bumerangues, ao invés disto, temos uma aventura mais intimista e contida, apostando mais no capricho pontual do que em tentar expandir demais seu conteúdo.
Em sua jornada, Kena irá explorar 3 grandes áreas e descobrirá pequeno número de novos poderes, como um arco que dispara flechas de luz (e ocasionalmente permite criar um cabo que puxa a personagem para um local distante) ou bombas que fazem as coisas flutuarem por alguns segundos (importante para a resolução de diversos quebra-cabeças). Além disso, ao encontrar novos Roths, a personagem também ganha habilidades envolvendo as pequenas criaturas, como um golpe poderoso com seu cajado ou um disparo que faz com que os Roths prendam o inimigo por alguns instantes.
Embora o jogo tenha um caráter linear em sua narrativa, explorar áreas anteriores munido de novos poderes permite ao jogador encontrar diversos segredos e colecionáveis, que vão desde Roths adicionais e pontos de experiência (que permitem incrementar as habilidades), até chapéus que podem ser adquiridos e equipados nos seus pequenos companheiros (deixando-os ainda mais carismáticos). Estas criaturinhas acompanham Kena durante toda a aventura, não apenas no uso de poderes especiais.
Uma Jornada Árdua e Perigosa
A aventura da guia espiritual é repleta de perigos. Criaturas perigosas e espíritos perdidos tentarão impedir que ela chega ao seu destino. Kena: Bridge of Spirits esconde, por baixo do seu visual fofo, um combate exigente.
Com foco em golpes fracos e fortes e uso de poderes, intercalados com esquivas precisas e aparos ainda mais precisos, o combate pede uma certa resistência à frustração, principalmente nos inimigos chefes, que certamente exigirão mais de uma tentativa para serem derrotados.
Caso você não queira lidar com este nível de exigência, o jogo oferece uma dificuldade menor – permitindo que o jogador se concentre na exploração e na narrativa. Mas para aqueles que queiram elevar ainda mais a tensão, há ainda dois níveis de dificuldade acima do padrão, onde a perfeição na execução será necessária para derrotar os principais oponentes.
Pessoalmente, eu gostei do desafio oferecido pela dificuldade Normal, com os combates comuns exigindo pouca concentração, mas os chefes pedindo uma maior precisão e múltiplas tentativas para aprender os movimentos dos oponentes e como responder a eles. Embora tornasse necessário lidar com algumas derrotas, a vitória sempre se mostrava mais emocionante desta forma, trazendo aquela sensação de que eu havia realmente dominado aquele inimigo.
O jogo não conta com uma variedade enorme de inimigos comuns, mas seus chefes são todos muito interessantes, com diferentes pontos de fraqueza, conjuntos de movimentos e habilidades. Embora o jogo possua apenas 3 grandes áreas, elas são subdivididas trechos menores, a maioria deles com um novo chefe no final. Estes grandes embates – intermediados pela exploração – ajudam a manter o ritmo e o desafio do jogo.
Uma Jornada Emocionante
Se o combate com os chefes impõe uma quebra de expectativa na aventura simples prometida por Kena: Bridge of Spirits, a história contada pela Ember Lab no jogo nos leva um mergulho mais emocional do que insinuava a personagem carismática e os Roths fofinhos.
O jogo possui um ritmo clássico destes jogos de algumas gerações atrás. Explore uma região, derrote um chefe e ganhe uma cutscene narrando um trecho da história (que são apresentadas em esquisitos 24 quadros por segundo, criando um contraste desconfortável com os 60 fps do jogo no Playstation 5). Mas foi apenas após completar o primeiro arco do jogo (quando você finalmente reúne os 3 itens que permitirão encontrar Taro, o irmão perdido de Beni & Saiya) que eu senti o tipo de história que a Ember Lab queria contar.
Por trás da vegetação exuberante, personagens carismáticos e os simpáticos Roth (não, eu não vou cansar de repetir o quanto os Roths são fofos), Kena narra uma história sobre fraternidade, amor, dever, luto e despedida. Cada arco da sua jornada apresenta ao jogador novos personagens cheios de emoção e sentimento, no melhor estilo de animação – uma marca da história do estúdio Ember Lab.
Uma Jornada que Não Termina Aqui
Como primeiro título do estúdio no mundo dos games, Kena: Bridge of Spirits corre poucos riscos, investindo em um estilo de jogo clássico, mas sem ser nostálgico ou referente, buscando sua própria personalidade.
Por trás do combate exigente e dos belos visuais, é possível encontrar alguns pontos de falta de polimento – marcas de uma desenvolvedora dando seus primeiros passos – como colisões esquisitas, movimentação atrapalhada em combates com muitos inimigos ou o sistema esquisito de cura. Mas tudo acaba sendo bem disfarçado quando a tela está repleta de Roths perseguindo Kena pelos lindos cenários, surgindo de dentro de potes ou baús, sentados em cercas ou deitados boiando no rio.
Para algumas pessoas com quem conversei antes de escrever esta análise, este contraste entre a exploração leve e o combate exigente, entre o visual fofo e a narrativa sobre luto, entre os personagens carismáticos e suas histórias, acabaram por causar um estranhamento, como se o jogo prometesse algo e entregasse outra coisa.
Para mim, foram surpresas positivas. A alternância entre os momentos de calmaria da exploração e os combates de suar as mãos no controle e comemorar muito cada vitória. O equilíbrio entre o visual sempre colorido e personagens fofos, intercalado com a história que me emocionou em diversos momentos, fizeram de Kena uma experiência breve, porém muito gratificante.
Desta jornada, fica a sensação de que este é apenas o começo, os primeiros passos aos pés da Montanha Sagrada, com os olhos no horizonte na expectativa de descobrir quais são os próximos rumos da Ember Lab.
Kena: Bridge of Spirits está disponível para Playstation 4, Playstation 5 e Windows PC. A versão avaliada foi a de Playstation 5, adquirida com recursos próprios.
Designer por profissão e gamer de coração, Raphael é apaixonado por jogos que sejam imersivos e permitam que ele se esgueire por trás de seus inimigos, eliminando-os de forma silenciosa e impiedosa.