A nostalgia está em alta e vem se tornando um nicho cobiçado no mercado do entretenimento. Sejam filmes, séries, animações ou games, buscar franquias nos anos 80 e 90 tem se provado um investimento rentável, mas que muitas vezes resultam em produtos pouco inspirados e preguiçosos que se apoiam exclusivamente na nostalgia do consumidor.
Isto porque não é fácil filtrar em produtos que tem décadas de história quais são os elementos que devem ser preservados e quais devem ser modernizados. O que torna uma obra atemporal e amada e o que pode ser melhorado?
Controlando o Policial do Futuro
Ocorrendo entre o segundo e o terceiro filme, o jogo já abre apresentando um jornal com o mesmo estilo visual da época, misturando notícias que combinam um futuro trágico e decadentemente bizarro, com um toque de galhofa crítica. Prepare-se para ver alguns rostos conhecidos, pois diversos atores emprestaram sua voz ou aparência para o jogo, inclusive contando com Peter Weller reprisando seu papel como Alex Murphy.

Logo de cara você mergulha no lado shooter, com o Robocop entrando em um estúdio invadido por uma gangue. Diferente do que ocorre em títulos mais modernos do gênero, ficando cada vez mais ágeis e com elementos de parkour, aqui é como se o jogador estivesse no controle de um tanque de guerra – uma máquina de metal lenta, obstinada e praticamente indestrutível. Enquanto tela replica a HUD do personagem como vemos no filme, com alvos sendo marcados em um estilo que lembra um monitor CRT verde, os inimigos caem como moscas diante dos disparos semiautomáticos da clássica pistola que o personagem leva no coldre embutido na perna. A blindagem do policial do futuro permite que ele receba muito dano antes de se preocupar com ser derrotado, colocando o jogador em uma função de simplesmente administrar este dano enquanto tenta derrubar os inimigos o mais rápido possível.
Robocop: Rogue City não tem receio de entregar nas mãos do jogador um personagem absurdamente poderoso e praticamente indestrutível… isto faz parte da experiência. Com o passar do jogo, inimigos maiores – como os clássicos robôs da série ED-209 – e armas explosivas oferecem mais perigo ao personagem – mas ainda assim isto é feito de forma a reforçar o quão poderoso ele é o tamanho do poder de fogo necessário para ameaçá-lo.

Uma Mescla de Estilos
A primeira vista, seria fácil pensar em Robocop: Rogue City como um shooter. Pegue qualquer FPS, coloque a Detroit decadente e futurista como cenário, um skin de Robocop no personagem principal e você tem um jogo da franquia. Mas o trabalho do estúdio polonês Teyon, publicado pela Nacon, vai muito além disso para traduzir a experiência de incorporar o policial Alex Murphy, misturando elementos de immersive-sim e até mesmo um light-RPG.
Além de não tratar usa parte shooter de forma básica, investindo em uma jogabilidade que reforça a sensação de controlar o policial do futuro, após o capítulo introdutório o jogo mostra outras facetas.
No distrito policial, Robocop pode interagir com outros policiais, treinar sua pontaria e executar pequenas tarefas para ajudar seus companheiros. Em diversas ocasiões é possível escolher respostas que afetam a relação do personagem com a corporação, a OCP (a empresa responsável pela segurança de Detroit) e personagens específicos, afetando até mesmo o futuro de Detroit como um todo.

Quando o dever nos chama às ruas da cidade, temos um ambiente amplo e explorável interligando áreas mais lineares onde as missões principais do jogo acontecem. Neste mapa maior podemos encontrar novos personagens, executar missões secundárias, investigar crimes e até mesmo distribuir multas por estacionamento irregular ou depredação de patrimônio público, ao mesmo tempo em que conhecemos melhor o estado atual de Detroit, os planos da OCP para revitalizar a cidade em um megaempreendimento e a opinião dos moradores sobre tudo isto, ao mesmo tempo em que afetamos a opinião pública sobre o próprio Robocop.
Além de serem recompensadoras por si só – com histórias que variam do bizarro ao humor, passando até mesmo por história um pouco mais sentimentais – estas missões adicionais premiam o jogador com melhorias que podem ser aplicadas na pistola do personagem e pontos de experiência que podem ser distribuídos em novas habilidades, como a capacidade de controlar torretas inimigas, desbloquear cofres sem a necessidade da senha ou ativar um escudo temporário. Estas habilidades afetam como você encara certos desafios e como o jogo não fornece pontos o suficiente para maximizar todas as habilidades, as decisões podem fazer com que o seu Robocop tenha pontos fortes e fracos diferentes no final do jogo.

Esta mescla de estilos, combinando elementos superficiais de diferentes gêneros sem se aprofundar em nenhum deles, confere a Robocop: Rogue City uma simplicidade que poderia ser prejudicial se não estivesse ancorada naquele que é o principal trunfo do título: a recriação brilhante da vibe do filme de 1987.
Protetor Solar Azul Brilhante
Uma Detroit decadente – com lixo nas ruas sujas e úmidas e a polícia combatendo gangues que tomam cada vez mais o controle da cidade, é neste cenário que Robocop: Rogue City equilibra com maestria características muitas vezes contrastantes do filme original.
Além de replicar muito bem o estilo visual do filme, com aquela visão da tecnologia dos anos 80, com muito cromado e computadores com telas CRT, o jogo ainda consegue recriar o estado de mundo dos filmes, com comerciais de TV e trechos de programas de rádio dando notícias de outros países ou promovendo produtos bizarros como o clássico protetor solar azul brilhante ou um plano de saúde que permite que você venda seus órgãos para pagar os custos do seu tratamento. Junte isto com a trilha sonora repleta de sintetizadores que remete diretamente aos filmes de ação dos anos 80 e você é rapidamente transportado para aquele cenário.

Robocop flutua em um limiar muito tênue entre a crítica e a galhofa, entre o sério e o bizarro. Em um minuto estamos discutindo o impacto das megacorporações na vida dos habitantes periféricos da cidade e no outro desumanizando pessoas em meros alvos móveis nas missões, explodindo-os e desmembrando-os com a mesma violência que vemos nos filmes. Nas ruas de Detroit, o Policial do Futuro distribui multas para quem está ouvindo som alto, para depois mergulhar na angústia de não se reconhecer como um ser humano quando tem flashbacks dramáticos com sua família. Tudo isto acontece em meio a um roteiro cheio de frases de efeito e uma história previsível que são a cara dos filmes de ação do final dos anos 80 e início dos 90.
Apostando na Experiência
Quando os créditos finalmente tomam a tela, Robocop: Rogue City entrega aquilo que prometeu desde o seu início. Ele não oferece grandes inovações ou sistemas complexos de jogabilidade… ao invés disto, a Teyon aposta em recriar a sensação nostálgica de entrar na pele de Alex Murphy, o Policial do Futuro.
Ao invés da saída fácil de aplicar uma capa de Robocop em um shooter com sensibilidades modernas, o título investe em colocar o jogo a favor da experiência, sem incluir qualquer elemento que não sirva ao propósito bem-sucedido proposto por ele.
Por algumas horas, você é o Robocop, e Detroit é a sua cidade.