O risco de toda franquia longa é começar a desgastar suas próprias vantagens e enfatizar suas fraquezas e não é qualquer uma que chega ao número 5 (desconsiderando, inclusive, um jogo não numerado da série). Far Cry 3 foi o ápice – com o vilão Vaas (interpretado pelo ator Michael Mando) ganhando merecido destaque. Entretanto, Far Cry 4 já me dava a sensação de algo requentado, em uma tentativa de repetir as sensações trazidas pelo título anterior, ao ponto de que sequer tive interesse em jogar Far Cry: Primal, lançado pouco tempo depois.
Mas Far Cry 5 renovou minha empolgação com a série – principalmente depois do incrível Assassins’ Creed: Origins ter reavivado uma outra franquia desgastada da Ubisoft. Será que o título entrega esta renovação?
Protagonista sem voz. Sem História. Sem personalidade.
Diferentemente de Jason Brody e Ajay Ghale, Far Cry 5 utiliza um protagonista silencioso – recurso normalmente utilizado para permitir que o jogador “preencha” o personagem, aumentando a imersão.
Você inicia o jogo selecionando o gênero do seu personagem e pouco depois terá a chance de ‘personalizá-lo’, escolhendo um rosto (entre modelos pré-definidos), penteado e cor de pele e cabelos. As escolhas têm pouco impacto na campanha, visto que seu personagem só aparece na tela momentaneamente (quando morre) ou em cartazes de procurado, servindo mais como um avatar para o modo Arcade (multiplayer) do jogo.
Em pouco tempo, fica claro que o protagonista é pouco mais que um par de braços segurando armas. Sem uma história ou interação direta com os outros personagens, ele acaba soando vazio, desinteressante e carente de motivações. Também não é oferecido ao jogador a chance de ‘preencher’ o personagem com suas próprias decisões ou história, fazendo com que a imersão com o Rookie/Novato (como o personagem é chamado) seja – no mínimo – tênue.
O protagonista de Far Cry 5 – em comparação com os dos jogos anteriores – acaba sendo uma casca vazia, empurrado sem muita vontade pelas intenções dos personagens coadjuvantes – aliados ou vilões – ou pela linearidade da narrativa.
Poucas, mas importantes, mudanças.
Em termos de jogabilidade, Far Cry 5 é mais Far Cry e isto é ótimo. Se você curtiu os jogos anteriores da franquia, certamente irá se divertir com este – pois ele preserva a loucura e ocasional imprevisibilidade pela qual a série tornou-se famosa.
Mas algumas mudanças importantes tornaram o jogo mais acessível e direto ao ponto, perdendo menos tempo com subsistemas que acrescentavam muito pouco à experiência. Esqueça o sistema de crafting, necessário para aumentar seu espaço de inventário para dinheiro, munição e afins. Ainda é possível caçar, mas a única motivação para tal é trocar peles por dinheiro e conquistar objetivos opcionais.
Todas as evoluções do personagem foram sintetizadas em Vantagens que o jogador pode adquirir com pontos de vantagens (conquistados ao completar missões ou encontrar revistas espelhadas pelo mapa e em depósitos secretos, que exigem que o jogador resolva um pequeno “quebra-cabeça” ambiental para acessar). Adicionalmente, não temos mais uma árvore de vantagens onde determinadas habilidades sejam pré-requisitos de outras. Todas as opções estão disponíveis para o jogador desde o início, bastando apenas que ele acumule os pontos necessários para obtê-las, na ordem em que desejar.
Além da caçada, o jogo conta ainda com um “mini-game” opcional de pescaria. Em vários locais do mapa é possível dedicar um tempinho para descansar e brigar pelo topo do ranking de Hope County. A pesca é simples, divertida e não exige toneladas de paciência, tornando-a uma opção de descanso muito bem vinda na loucura e conflito constante que o jogo oferece.
Outra novidade – que segue na esteira da tendência que a Ubisoft vem mantendo – é o fim das torres para liberar pontos no mapa. Depois de fazer piada com isto na introdução do jogo, Far Cry 5 passa a liberar pontos de forma mais orgânica, através de documentos no cenário ou interações com personagens.
Falando em personagens, o jogo conta ainda com os Garras de Aluguel, que podem acompanhá-lo no combate. São, ao todo, 9 personagens únicos e com características e habilidades próprias que podem se adequar – ou não – ao seu estilo de jogo: mais destrutivo e agressivo ou furtivo e cuidadoso.
Apesar das mudanças, Far Cry 5 preserva as melhores qualidades da série. A jogabilidade é impecável no que se refere a explorar e atirar. A furtividade funciona bem e suas regras são claras, permitindo que o jogador planeje corretamente sua abordagem às diversas bases inimigas espalhadas pelo mapa. Mas quando o caos se instaura e o combate fica frenético, o jogador nunca se sente fora do controle, preservando a agilidade dos movimentos, mira e trocas de armas. Raríssimas são as situações em que você falha por conta do personagem ficando preso ao cenário ou se confundindo com os controles.
Finalmente, o jogo conta ainda com os habituais veículos. Carros, jeeps, quadricículos, caminhões, barcos, jet-skis, helicópteros e aviões podem ser tomados no cenário ou adquiridos em pontos de compra. Todos oferecem controles simples e funcionais, tornando o deslocamento e combate com eles prazeroso.
Para os fãs de multiplayer, o jogo conta ainda com o modo Arcade, que pode ser acessado no menu principal ou em máquinas e cartazes de fliperama na campanha do jogo. No Arcade, o jogador pode acessar diversos modos de jogo – desde corridas contra o tempo ou invasão de bases até o bom e velho mata-mata – em mapas criados pela Ubisoft ou por outros jogadores. Um editor de mapas permite que você crie seus próprios cenários e regras e disponibilize-os para outros jogadores. Uma característica interessante do editor é contar com assets dos jogos anteriores e também da série Watchdogs e Assassin’s Creed, permitindo a criação de cenários bastante diversos daqueles encontrados na campanha.
Também é possível colaborar dentro da campanha, convidando um amigo para jogar com você. Neste caso, seu companheiro participará de todas as missões e preservará vantagens adquiriras com pontos, entretanto, o avanço na história do jogo contará apenas para o anfitrião da partida.
Paisagens de Tirar o Fôlego, com Trilha Sonora para Acompanhar
Rodando em uma versão atualizada da engine Dunia, o título oferece gráficos mais realistas e detalhados do que aqueles apresentados em Far Cry 4, sobre o qual ainda pesava a responsabilidade de rodar nos consoles da geração anterior.
Os belos cenários de Far Cry 5 são compostos de vistas mais amplas e planas, natureza e vegetação exuberante e personagens mais reais. A iluminação do jogo também está mais bem lapidada, contando com belos efeitos atmosféricos que ajudam a enfatizar o clima em cada momento.
Para acompanhar o belo visual, o jogo conta ainda com uma trilha sonora agradável de country, rock e blues, pontuada com músicas religiosas e corais – muitas vezes incluídas na cena como parte do cenário (um rádio, um carro de som ou pessoas tocando e cantando). Outros momentos são pontuados com composições instrumentais mais discretas que ajudam a enfatizá-los, mas sem roubar a cena. Menção especial para The Ballad of Clutch Nixon, da banda The Road Vikings, que anima os desafios de veículos dos quais o jogador pode participar para se equiparar aos feitos de Clutch Nixon, um personagem fictício baseado no célebre Evel Knievel (também nascido em Montana, onde se passa o jogo).
Crítica Social Foda
A cruz caída no campo, a igreja cantando Amazing Grace em coro enquanto reverenciam armas. O anuncio de Far Cry 5 deu a entender que a Ubisoft estava entrando no perigoso terreno de falar sobre fundamentalismo religioso e armas dentro do território americano – um salto audacioso em uma série que vinha focando em ocidentais salvando países ficcionais do terceiro mundo.
Bem, se alguém esperava uma crítica social foda, prepare-se para uma decepção.
Far Cry 5 mantém sua vibe “loucura pra todo lado” e se esquiva de toda e qualquer discussão mais complicada ou polêmica na qual o jogo poderia se intrometer e investe no humor para diluir sua temática – apostando em clichês como insanidade e caricaturas exageradas para transformar a pesada situação de Hope County em um grande parque de diversões.
Se a insanidade de Vaas deu certo em Far Cry 3, por quê não investir em 4 Vaas com características sutilmente diferentes e seus próprios discursos megalomaníacos e egocêntricos? Como resultado, os líderes da seita Portão do Eden são caricaturas exageradas e insanas que, apesar do visual mais interessante e individual entre eles, apresentam interações limitadas a monólogos cansativos e esquecíveis (não foi desta vez que a Ubisoft conseguiu repetir o “já te falei sobre a definição de insanidade?”).
Tanto os principais oponentes quanto os inimigos que você irá matar aos montes durante o jogo são desumanizados ao ponto de não se assemelharem a qualquer coisa com a qual você pudesse ter empatia. As cartadas da insanidade e do controle mental através de uma droga fantástica – exaustivamente utilizadas em jogos e filmes – fazem o trabalho de distanciar o Portão do Eden de qualquer chance de redenção, enquanto Joseph Seed – o Pai do culto – é pouco mais que um alvo, distanciando-o da sutil humanização oferecida ao vilão Pagan Min em Far Cry 4.
O título ainda toma o cuidado de se manter sobre o muro sobre qualquer tema. O vilão é um fundamentalista religioso? Então teremos um herói religioso também. Armas são um problema? Elas também são a solução. Um personagem fala de um governo X, outro falará do Y. Drogas são a fonte de todo o mal no Portão do Eden? Drogas também serão ferramentas importantes para a vitória. O jogo até quebra esta tendência em um determinado momento, ensaiando uma crítica muito específica – mas quando o faz, acaba soando desconexo.
No fim, Far Cry 5 é uma grande anedota – uma versão tão caricata do interior americano, com os red-necks e seus onipresentes bunkers subterrâneos e cartazes oferecendo armas como presente de natal para crianças e “festivais do testículo”, que a afasta de qualquer relação com a realidade que pudesse soar como crítica ou endosso.
Ainda assim, elementos interessantes do interior americano estão presentes ali – mesmo de forma sutil. O isolamento rural, o sentimento de comunidade típico de regiões interioranas e o jeito direto dos ‘caipiras’ ocasionalmente fazem um bom serviço em conquistar a simpatia do jogador.
Muitos vão criticar o título por isto, enquanto outros vão agradecer a ausência de ‘política’ no jogo. Todavia, não ser político também é uma escolha política, principalmente considerando-se a forma como a Ubisoft tem retratado outros países e culturas em jogos como Far Cry 3 e 4 e também em Ghost Recon: Wildlands.
Um Jogo para Quem Quer Mais Far Cry
Diferentemente do que aconteceu com Watchdogs 2 e Assassins’ Creed: Origins, a fruta de Far Cry 5 cai perto do pé. Um prato cheio para quem curte a loucura e imprevisibilidade que o mundo aberto da série sempre ofereceu, com atropelamentos ocasionais e explosões incríveis.
Longe de ser a crítica que alguns esperavam (embora a série nunca tenha sido famosa por isto e nenhum dos desenvolvedores tenha anunciado o jogo como tal), a aventura em Montana ainda concorre ao título de melhor jogo da série, enfatizando os pontos positivos dela e corrigindo e melhorando mecânicas onde possível, criando um todo mais uniforme e objetivo, onde o jogador pode se concentrar naquilo que é o foco: derrotar seus oponentes e explorar diversas aproximações diferentes para seus objetivos.
Se você curtiu os jogos anteriores da franquia e quer um pouco mais e melhor, Far Cry 5 é uma ótima pedida para você.
Far Cry 5 foi jogado no Playstation 4 Pro e também está disponível para Xbox One e Windows/PC.
Mais do Mesmo e Melhor.
Far Cry 5 oferece mais do que a franquia sempre ofereceu, preservando qualidade e fazendo sutis alterações para minimizar problemas dos jogos anteriores. Um prato cheio para os fãs da série e uma decepção para aqueles que esperavam mais que isto.
Designer por profissão e gamer de coração, Raphael é apaixonado por jogos que sejam imersivos e permitam que ele se esgueire por trás de seus inimigos, eliminando-os de forma silenciosa e impiedosa.