Em 2005 eu ainda cursava Engenharia Química. Estava no quarto ano do curso, com algumas DP’s e me preparava para terminar o curso no próximo ano. A vida era bastante corrida… eu trabalhava e estudava, morava longe do trabalho e tinha pouco tempo pra jogar. Psychonauts foi um dos jogos que deixei passar. Eu estava num momento onde plataformas não eram a preferência e, mesmo tendo ouvido falar bem do jogo, a história não me pegou naquele momento.
Eu já tinha jogado alguns jogos do Tim Schafer, mas ele ainda não era (pra mim) um ícone da indústria como é hoje! Psychonauts foi o primeiro grande voo da Double Fine logo depois que Schafer saiu da Lucas Arts. Tanto Psychonauts como o outro grande lançamento da empresa na sequência, Brutal Legend, não tiveram grande sucesso em vendas apesar de receberem críticas muito positivas e o status de bons jogos.
Muito tempo se passou!
Um hiato de dezesseis anos, na indústria dos videogames, é uma eternidade. São poucas as séries que são capazes de ressuscitar depois de tanto tempo e Psychonauts 2 faz isso de forma magistral, mesmo para aqueles que, como eu, não haviam jogado o primeiro jogo.
Um prólogo envolvente, e muito bem feito, resume todos os eventos do primeiro jogo de forma bastante divertida e nos apresenta Razputin Aquato, uma criança de 10 anos vinda de uma família de acrobatas e que se descobre psiquicamente talentoso. O desgosto da família com a tradição sendo quebrada faz com que Razputin fuja do circo para tentar se juntar aos Psychonauts.

Os personagens são os mesmos do primeiro jogo e seus papéis são praticamente os mesmos já que Psychonauts 2 se passa apenas alguns dias após o final do primeiro jogo. O líder dos Psychonauts, Truman Zanotto, foi resgatado pela equipe do acampamento da Pedra Sussurrante das mãos do dentista maluco, Dr. Loboto, que foi levado preso para o acampamento. Porém, Zanotto está apagado e Loboto não quer falar. Razputin e os outros Psychonauts precisam, então, entrar no cérebro de Loboto enquanto viajam para a sede dos Psychonauts, o Córtex Central. Lá descobrem que Loboto teve ajuda de algum dos Psychonauts e está formado o arco de história de Psychonauts 2.
O Córtex Central serve como uma espécie de hub e de lá Razputin pode acessar as missões, as lojas do jogo e também as missões paralelas, importantes para a história do jogo e para os complecionistas. O jogo se passa, na maior parte do tempo, dentro das paisagens e emoções variadas de seus vários personagens e não vou entrar muito em detalhes sobre a história de Psychonauts 2 para não correr o risco de estragar a jornada dando spoilers ou falando coisas que parecerão sem sentido algum para quem ainda não jogou. Talvez um dos maiores acertos de Psychonauts 2 é sua história longa e complicada, mas ao mesmo tempo divertida, compreensível e satisfatória demais.
Uma viagem introspectiva
Em qualquer forma de se contar histórias, o enredo e os personagens servem apenas como janelas e quadros onde podemos observar algo importante sobre nós mesmos. E em Psychonauts 2, além de se divertir com um jogo de quebra-cabeças/plataforma, podemos perceber a intenção de se mostrar a mente humana e todas as suas peculiaridades, obsessões, inseguranças e amizades únicas que definem, EXATAMENTE, quem somos e como enxergamos o mundo. Raz é um protagonista incrível, inocente como qualquer criança de 10 anos, mas muito sábio para sua pouca idade e não faz julgamentos sobre as coisas perturbadoras ou surpreendentes que encontra nas mentes onde entra durante a jornada, da forma que deveríamos agir quando nos deparamos com esses problemas. O jogo é construído, COMPLETAMENTE, em cima da tese da simpatia pelo próximo quando nos deparamos com fragilidades mentais e emocionais.

É bem difícil falar sobre Psychonauts 2 sem se envolver com a história bastante impressionante que foi criada para o jogo, mas não pense que a parte do jogar foi esquecida. Este é, sem dúvidas, um dos melhores plataformas de ação lançados recentemente. Ao contrário de jogos que querem ser de gêneros atuais, Psychonauts 2 não se deixa levar pelos atuais “souslikes”, “roguelikes” ou “metroidvanias”. Ele ignora os gêneros populares da moda e retorna aos plataformas de quebra-cabeça 3D “old school”, com controles muito melhores, movimentos mais precisos, combate mais fluído e jogabilidade super agradável.
Os inimigos do jogo são baseados em nossas lutas mentais, com nomes sugestivos de situações que enfrentamos no dia-a-dia e novos inimigos são introduzidos mesmo depois de várias horas de jogo. Além da campanha principal, existem várias missões secundárias e por algumas vezes eu fiquei sem saber como começar alguns dos vários quebra-cabeças do jogo. Nada muito frequente, mas aconteceu.
É bastante difícil tirar mérito de alguma coisa em Psychonauts 2, mas ainda existem momentos de imprecisão de câmera aliados a saltos difíceis, o que resulta em erros e um pouco de frustração, coisa que os plataformas 3D gostam bastante de fazer com os jogadores. Não existe um botão de correr e rolar com Raz, o movimento que faz o personagem andar mais rápido, acaba sendo um movimento repetitivo, principalmente quando já terminamos o jogo e estamos correndo atrás dos colecionáveis do jogo. O pós-jogo foi bastante frustrante em alguns momentos pois apesar de ter um indicador dos colecionáveis, algumas fases possuem 5 ou 6 telas diferentes e os indicadores não dizem em que local esses colecionáveis estão. Faz parte dos plataformas que seja dessa forma? Talvez! Gostamos? Não!

Diferentemente de Ratchet and Clank: Em uma outra dimensão (PS5), Psychonauts 2 não é uma “tech demo” dos novos consoles mas é, indiscutívelmente, uma obra-prima quando falamos de direção de arte, som e música. Tim Schafer viaja como seu xará Tim Burton e usa bastante do expressionismo, passando pela psicodelia colorida dos anos 60 (pra mim a melhor fase do jogo). O visual impressiona em alguns momentos, mas parece estar um passo atrás da nova geração de consoles, o que deixa claro que o jogo foi feito para atender também a geração PS4/Xbox One.
Os personagens são tão caprichados que eu não me espantaria se os encontrasse em um filme da Pixar. Roteiro e diálogos são surpreendentemente bons: inteligentes, engraçados e estão sempre utilizando “punch lines” realmente boas sem soar mal e sem agredir ninguém. A trilha sonora vai do jazz até a psicodelia colorida dos anos 70, passando por surf music e instrumentais de big bands. Impecável!
Alguns jogos tratam seus personagens de forma singular onde podem ser bons ou maus apenas, ou como uma peça descartável que existe apenas para contar uma história e morrer. Psychonauts 2 impressiona por tratar a fragilidade e o fracasso inerentes ao ser humano usando a compaixão, o coração e um humor que em momento algum desmerece ou humilha alguém. Nos faz perceber que dentro das nossas cabeças somos apenas dúvidas, fracassos, aleatoriedades e memórias estranhas misturadas com bondade, certezas e memórias incríveis. Psychonauts 2 me fez pensar em vários desses sentimentos e como lido com todos eles… e foi incrível!

Fonte: Arquivo Pessoal
Veredito
Jogue Psychonauts 2 o quanto antes! Evite spoilers e tenha uma experiência incrível que te fará conhecer melhor a você mesmo. Tim Schafer fez a obra da sua vida (na verdade espero que venham mais momentos geniais assim) e é sério candidato ao VGA 2021. Definitivamente uma obra-prima!
- Gráficos: Coloridos, super bem desenhados, mas não são surpreendentes. Os consoles da geração PS4/Xbox One podem ter sido o grande limitador.
- Som: Impecável! Trilha sonora incrível, visita vários gêneros e com super bom gosto. Efeitos sonoros também são muito bem utilizados!
- Jogabilidade: Aquilo que se espera de um plataforma nos dias de hoje, mas com algumas pequenas falhas. Totalmente perdoável!
- Diversão: Certamente o jogo mais divertido que joguei nos últimos tempos. História engraçada e cativante, não é repetitivo e surpreende a cada nova fase!
- Replay: É um pouco frustrante ficar indo de fase em fase para recolher os últimos colecionáveis do jogo, o end game para os complecionistas é um pouco repetitivo e frustrante!
Psychonauts 2 está disponível para consoles da família Playstation, PC (Steam e Game Pass PC) e consoles da família Xbox através do Game Pass. O preço sugerido varia entre as plataformas! O review foi escrito usando como base a versão para Xbox Series X com código de Game Pass gentilmente cedido pela Xbox Brasil!